..::Geléia de Pérolas::..

23.12.02


Nada é real. Nada mesmo… no fim estamos todos sós, mendigando por um pouco de amor que, com boa vontade e muita carência, acreditamos que é real. E quando descobre-se que não existe amor nenhum,porque nada existe realmente, bebe-se... muito até vomitar bílis e chorar até não ter mais lágrimas. Que desperdício, sou um tremendo desperdício como pessoa.

n.p.- “Il n’y a pas d’amour heureux” – Françoise Hardy



enviado por Tati - Sugar Kane as 04:41:33.

22.12.02


.:Tesão é você por pra rolar um disco que há muito tempo voce não ouvia e lembrar que ele foi trilha sonora de alguma parte de sua vida. Que esse disco te traz lembranças, boas ou más, de fatos que você foi o personagem principal ou apenas um figurante no fundo da cena, mas que de alguma forma marcou sua memória e “colou” essa passagem com aquela determinada música.
Existem músicas em que essa “associação” foi impregnada no senso comum, mas não é esse o caso. Eu falo daqueles discos que “descobrimos”, antes ou depois da maioria, e se tornaram quase parte de nós mesmos. Aqueles que você vai ouvir até morrer.
Quase sempre são discos muito bons, daqueles que figuram em qualquer lista dos “melhores do século”, mas também tem aqueles discos que só você gostava, aqueles que a galera dizia: “É bom, mas o outro é bem melhor” e você não conseguia entender como.
Ouvi alguns discos essa semana que faz tempo que não giravam no prato e tive uma avalanche de fatos, casos, tretas e baladas que vivi e que aquelas músicas me faziam viver de novo. Eis alguns:

Sabbath, Bloody Sabbath - Black Sabbath
Na escola, só eu gostava deste disco. Enquanto as opiniões da galera se dividiam entre o primeiro e o Volume 4, eu me acabava ouvindo o Sabbath quase progressivo. Mas esse disco me pegou no começo da adolescência, a fase mais bacana e também mais sem noção de nossas vidas. Eu tava virando homem e o Ozzy mandava Killing Yourself To Live. Enquanto esse disco existir, eu não vou me esquecer das quebradas de cara e das descobertas do caralho que fiz aos 14 anos.

The Real Thing - Faith no More
Esse foi um choque. Tinha 16 anos quando ele foi lançado e chapei desde da primeira vez que ouvi Epic. A música já rolava na rádio, mas eu ouvi o disco inteiro pela primeira vez na casa de um cara que tinha acabado de voltar de um intercâmbio na Inglaterra. Ele seria lançado aqui pouco tempo depois, mas saí da casa do cara com a velha e boa Basf gravada. Enquanto Patience já enchia nosso saco, o Faith quebrava tudo, misturando um monte de coisa em uma dúzia de músicas. Ouvi durante tanto tempo que ele rolou de fundo musical em boa parte de minha vida.

Give Out But Don’t Give Up - Primal Scream
Esse eu “descobri” mais tarde, tres anos após ter sido lançado. Foi numa fase com recordações tão boas que toda a vez que ouço não consigo tirar o sorriso da cara. Aquele puta rockão stoneano, baladas lindas e sexys, George Clinton na parada e aquele ar de loucura total caíam como uma luva naqueles tempos. Eles podem lançar quantos Screamadelica ou XTRMNTR quiserem, mas esse continuará sendo inesquecível pra mim.



Gravado ao vivo por Danilo às 16:11:18.

21.12.02


Quem topa dar um help?

A Rossana Fischer, do Wumanity, está escrevendo um livro sobre blogs! O prazo está meio apertado (a editora quer o material até o dia 10 de janeiro) mas mesmo assim ela gostaria de contar com a colaboração da gente para um dos capítulos. Ela faz duas perguntas básicas, e vai selecionar as melhores respostas para o livro.

Esta é a pergunta para os blogueiros:
Por que você bloga?
Esta é a pergunta para os leitores (pode ser leitores que têm blog e leitores que não têm blog):
Por que você lê blogs?

Vocês podem responder lá ou aqui mesmo nos comentários, que depois ela vem e cata, OK?

Por Cora



livro:

já tenho uns 60 depoimentos das pessoas do porquê elas lerem e escreverem blogs. muita coisa boa no post da Cora (este aqui), no meu post ali embaixo e por também por email. Raphael Perret, André Machado, Nannda, Edney, Marina W, Bia Badaud, Fal, Ralph hot kalango, Lu solo mio, Jululi, Déia dona dos gatos, Luiz Patriota, Nandi, Sam, e muitos outros, todos escrevendo, participando, contribuindo. A Zel já deixou eu usar os arquivos dela, porque ela já fez essa enquete em 2001. a Rosana Hermann e a Cora não só avisaram em seus blogs, como vão me mandar por email. a Aninha do Udigrudi também vai me mandar. O Marcelo Träsel avisou no blog dele e o Ralph também, mandando o pessoal pra cá. Escreva você também, nos comments deste post aqui, ou no post do livro, ali embaixo, o porquê de você escrever em um blog, e/ou o porquê de você ler blogs. Estou contando com os amigos. e com quem eu não conheço também. se a janela do comments estiver congestionada, mande pro meu email: rossana@wumanity.com
o que não couber no livro vai virar uma página permanente daqui do wumanity, pra todos nós, essa discussão é muito importante pra não ser guardada.
;-)
Pra quem já participou, obrigada, obrigada mesmo.
(desculpe a falta de links aqui, não dá pra por agora)



por Rossana Bocca Fischer

19.12.02



(o amor acaba)


29/04/00

Recebo uma ligação de uma colega da faculdade, a Graça, me convidando para ir até o apartamento do Brodt assistir filmes brasileiros e beber vinho vagabundo. Penso sobre esta esquisita tendência dos jovens universitários burgueses, de querer agir como gente pobre, fazer coisas de gente pobre, tomar vinho vagabundo, almoçar nos restaurantes mais baratos e pechinchar qualquer preço, não importa quanto dinheiro se tenha na carteira. Eu mesmo faço questão de pedir pão com manteiga e café sempre que preciso comer numa padaria ou numa lanchonete de estrada, ainda que possua dinheiro de sobra para adquirir uma comida mais decente. Um burguês moderno é um sujeito que experimenta um verdadeiro prazer subversivo ao pedir um pão com manteiga e um café preto numa padaria.

Não há nada mais improdutivo e tedioso do que uma tarde de feriado de um jovem universitário burguês como eu. Depois de acordar ao meio-dia e comer um farto churrasco preparado pelo meu pai, me esparramei no sofá e assisti um péssimo telefilme norteamericano. Toquei um pouco de violão, li umas trinta páginas de um livro e vim pra frente do computador. A idéia inicial era escrever um texto qualquer, um esboço de conto, ou simplesmente digitar sem preocupações os principais pensamentos que me atormentam enquanto como churrasco, leio livros, toco violão ou vejo filmes. Muitos pensamentos me atormentam, o tempo todo. Além disso, há os sonhos. Ontem sonhei que seduzi e trepei com uma colegial bem riquinha e fazida, daquelas de catorze ou quinze anos, caricaturas vulgares de mulheres adultas, maquiadas demais pra sua idade, estufadas de desejos sexuais e idéias fúteis.

A Clarice foi para o litoral com a família, e aqui estou eu dividido entre a saudade da mulher que eu amo e a culposa vontade de aproveitar sua ausência para obter sexo secreto com alguma outra mulher, coisa que serei incapaz de realizar, como sempre, porque respeito e amo ela e quero ficar com ela. Corpo e espírito, amor e desejo, grandes exemplos dessa dualidade insolúvel e dilacerante que é uma vida humana. Durante minha adolescência tudo que eu queria, tudo mesmo, era um compromisso romântico e seus desdobramentos mais comuns: companhia para festas e cinema, garantia de sexo, aquela adorável segurança de possuir uma pessoa para nos fazer companhia debaixo de um cobertor numa noite fria, fazendo brincadeirinhas de casal. Eu era um adolescente tímido, demasiadamente seletivo e inseguro sexualmente, de modo que boa parte dos meus sofrimentos tinha origem na oposição entre a minha solidão e a putaria alheia. Era natural que eu depositasse minhas esperanças de redenção na possibilidade de um relacionamento estável, que nunca vinha, ou pior, parecia cada vez mais distante. Todos os textos que eu escrevia naquela época estavam contaminados por um pedantismo asqueroso e por epifanias românticas vergonhosas. Mas aquele tempo passou. Hoje sou um cara comprometido, e sofro um por um todos os dilemas e delícias típicos dos caras comprometidos.

A Graça me pergunta ao telefone se vou aparecer lá no apartamento do Brodt para ver filmes e beber vinho vagabundo em garrafas verdes, de plástico. O que eu quero, em ordem de preferência, é o seguinte: fazer putaria; ficar a noite inteira na frente do monitor escrevendo contos engenhosos que possam alimentar o conteúdo de meu possível livro de estréia; e, por último, fazer isso a que sou convidado neste instante: ir até o apartamento do Brodt, tomar um bom trago de vinho vagabundo e assistir "Bonitinha, mas ordinária". São as três coisas básicas que compõem uma vida humana: trepar, produzir e matar tempo.

Escrever seria produzir. Eu queria muito produzir alguns textos nesta noite, mas no fundo eu sei que isto será impossível. Tenho muitos sentimentos e idéias, mas eles estão desordenados, como peixes escorregadios que escapam das minhas mãos. Desse turbilhão de sentimentos e idéias, é preciso que uma ou duas sensações se destaquem num insight ou algo assim, mas eu me conheço, sei que isso não vai acontecer hoje. Posso entrar madrugada adiante na frente do computador, e não serei capaz de fazer mais nada além de navegar por sites inúteis, ler e responder alguns e-mails desimportantes e baixar arquivos de música. O dia de hoje está condenado a ser improdutivo. É uma certeza intuitiva. Eu sei disso, simplesmente sei.

Tampouco posso acreditar na possibilidade de sair pela noite e conseguir comer uma guria qualquer. Porque já aprendi que hoje em dia ninguém mais trepa, assim, sem mais nem menos. Ninguém sai pra rua e "consegue uma trepada". Nada disso. Nunca antes na história da humanidade a vontade de trepar foi tão dissimulada quanto agora. Generalizando, ninguém mais faz sexo por aí, como se fazia até antes da década de oitenta. Ir numa festa, encontrar uma pessoa por quem sentimos desejo, trocar olhares insinuantes com ela, beijar, e finalmente arranjar uma maneira rápida de foder e esquecer disso pra sempre. A não ser em lances de sorte ou em raras exceções, isso não acontece mais. Somos conservadores demais, há doenças demais, e assuntos fúteis demais para nos manter ocupados até que a noite acabe e voltemos pra casa mais uma vez desacompanhados. Nunca houve tanta gente se masturbando no final da madrugada quanto neste fim de milênio.

Não há muita probabilidade, portanto, de que eu consiga escrever um conto ou trepar com alguém nesta noite de feriado. É por isso que vou dizer pra Graça que sim, que vou até o apartamento do Brodt para assistir "Bonitinha mas ordinária" e me embebedar com vinho vagabundo, deitado em colchões e almofadas no meio da sala, no meio de amigos com os quais vou trocar piadas conhecidas, dar algumas boas risadas, sem que o sexo ou a literatura ocupe nossos pensamentos por um instante sequer.

Se a Clarice estivesse na cidade, eu iria agora até a casa dela, eu beijaria sua boca conhecida e passaria a mão pela sua pele incrivelmente macia. Ela me acharia meio estranho e perguntaria por que eu estou tão quieto. Ao invés de responder que estou cheio de idéias na cabeça e não consigo passá-las para o papel, ou que estou sofrendo a opressão de meus impulsos de promiscuidade, eu responderia que nada, que está tudo bem. E seria verdade, tudo estaria bem mesmo, por causa da presença dela ali do meu lado. O desejo, a necessidade de expressar sentimentos e de traduzir o mundo, são coisas das quais não nos livramos assim tão fácil, e é bom que seja assim, senão tudo poderia ficar muito monótono. Visto uma roupa e me preparo para ir até o apartamento do Brodt, onde verei filmes, darei muitas risadas e ficarei bastante bêbado. Chegarei em casa perto do raiar do dia, ou vou acabar dormindo fora mesmo, no próprio apartamento do Brodt. Resolvo então bater aquela punheta agora mesmo, antes de sair.





06/05/00

Por que logo no primeiro dia frio do ano? Mas enfim. Caminhamos de braços dados pela calçada da Rua da República, contra o vento gelado. Ela com seu casaco de couro verde, especialmente bonito no corpo dela. Todos os bares estão cheios demais, não nos servem pra nada. Precisamos de um lugar onde possamos conversar baixinho, encostar a cabeça na parede e olhar muito nos olhos um do outro.

Passamos na frente de um certo Bar da Fofa. Pequenino, com seis ou sete mesas, vazio. Porta fechada, fui bater, mas ela bateu antes. Sempre assim. É ela que resolve os problemas, fala com as pessoas, e me puxa triunfante atrás dela quanto tudo foi resolvido. Eu adoro isso.

Um velho abriu a porta, era o dono do bar e falava espanhol. Nos deixou entrar pra tomar umas cervejas. É o que precisamos: ficar sozinhos num bar fechado, longe do vento, vazio, e beber cerveja.

O rádio do bar toca boleros. Eu nunca escutei boleros, mas acho lindo. Foi ela que me disse que eram boleros. Eu não saberia.

Tentamos conversar, mas não havia muito assunto. Fiquei esquentando as pernas geladas dela por baixo da mesa, usando minhas próprias pernas e as mãos. Confusos, os dois, sem saber como agir. O que está faltando? Qual o nome desta coisa que foi sumindo, sem razão nenhuma, independente da nossa vontade? Paixão? Amor? Qual a diferença? Onde termina uma e começa o outro? Ou só existem juntos? Eles acabam, isso está muito claro. Mas por que? E o que podemos fazer para evitá-lo? Podemos fazer alguma coisa? Ainda a minha melhor amiga, a minha melhor amante, melhor confidente. Ainda a pessoas que mais me entende, a que mais me tolera, a que sabe exatamente como me tocar, me fazer cócegas, me corrigir. Ainda o mesmo cheiro delicioso, a mesma pele macia, o mesmo jeito carinhoso de se deixar abraçar. Ainda tudo. Tudo, menos algo. Esse algo, que se esvai, eu não compreendo. Ela também não compreende. Acho que não nos é possível compreender.

O vento empurra a porta do bar com tanta força que ela cede e se escancara, nos cobrindo com uma onda de ar gelado. O dono do bar vem correndo fechar a porta, e diz algo num espanhol muito rápido, incompreensível. Não entendo, e peço pra ele repetir. Ele repete, rindo, mas não entendo ainda. Deve ser algum gracejo. Ela entendeu, e me explica: "Gasparzinho". Ele disse que era o Gasparzinho, abrindo a porta.

Quando finalmente vamos embora do bar, a coisa está terminada. As palavras difíceis foram ditas. A situação, contudo, é de que nada mudou. Parece uma brincadeira. Por que estamos fazendo isso? Tenho medo de me arrepender. De ter que conviver com a dor de ter deixado o amor da minha vida escapar. Mas o amor, essa coisa que simplesmente acontece, do mesmo modo escapa. Simplesmente. Tem seus mecanismos secretos, uma vontade própria. Não temos o poder de administrá-lo. Ele termina. Pode durar um mês, um ano, dois anos. Não muito mais que isso. Então termina. E é nesse instante, quando o amor termina, que um relacionamento entre duas pessoas verdadeiramente se inicia. É o momento de fazer concessões, de abdicar de uma parte de nós mesmo, todos aqueles clichês. É necessário muita coragem e convicção pra ir adiante. Nunca tivemos a intenção expressa de ficarmos juntos pro resto da vida. De casar, ou de ter filhos. Do que estamos reclamando, então? Não podemos reestabelecer o encantamento inicial, como viramos uma ampulheta. Chegou o momento de admitir que alguma coisa se esgotou, por mais intangível que seja. Se esgotou, e é inútil reanimá-la artificialmente.

Caminhamos de volta pro meu carro abraçados, com muito frio. Ainda estou confuso. Nos beijamos como se estivéssemos ficando pela primeira vez. Não sinto alívio, nem arrependimento. O que mudou, e o que permanece? Só sei que, esta noite, dormir sozinho vai ter outro significado.

Camus escreveu em uma frase aquilo que levei dois anos pra assimilar. "O amor não dura, e mesmo que durasse a vida inteira, ainda assim seria incompleto". Verdade. A vida é curta, e o êxtase só é atingível em instantes. Está claro que é assim. E nem poderia ser de outra forma.




(relido, revisado e refletido ao som de Mogwai,especialmente 'katrien', 'r u still in 2 it' e 'mogwai fear satan', do disco Young Team)


publicado no Cardosonline #162 © Copyright 2000 Daniel Galera


13.12.02



Quarta-feira, Novembro 27, 2002

daí eu acabei lembrando de uma coisa que eu vi dormindo, e anotei sem cerimônia com o garçom lendo por cima do meu ombro: você é um desses anjos duros da cinelândia que estão sempre se atirando do monumento. os pombos cagam na tua cabeça, os meninos picham os teus panos esculpidos e você finge que voa. faz um belo movimento congelado de mármore com essas asas pra mim.



posted by international jetset at 14:24

11.12.02



a indecência pode ser saudável
D.H. Lawrence [trad. José Paulo Paes]


a indecência pode ser normal, saudável; na verdade, um pouco de indecência é necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.

e um pouco de putaria pode ser normal,
saudável. na verdade, um pouco de
putaria é necessário em toda vida
para a manter normal, saudável.


mesmo a sodomia pode ser normal, saudável desde que haja troca de sentimento verdadeiro.

mas se alguma delas for para o cérebro, aí se torna perniciosa:
a indecência no cérebro se torna
obscena, viciosa, a
putaria no cérebro se torna cifilítica
e a sodomia no cérebro se torna uma missão, tudo, vício, missão,
insanamente mórbido.

do mesmo modo, a castidade na hora própria é normal e bonita. mas a castidade no cérebro é vício, perversão. e a rígida supressão de toda e qualquer indecência, putaria e relações assim leva direto a furiosa insanidade. e a quinta geração de puritanos, se não for obscenamente depravada, é idiota. por isso, você tem que escolher.


>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

moral da história: continue praticando a promiscuidade intelectual. não seja fiel a suas idéias, recicle. tem idéia que só mostra pra que serve quando vira papel higiênico. faça um minuto de silêncio em homenagem as boas idéias mortas. esta cópula de letrinhas é dedicada ao falecido [putaria.]


Kzine

4.11.02



Sucesso e Alma

Já fui convidado a participar de uma banda que visava unicamente o dinheiro. E eu sentia aquele embrulho estranho no estômago toda vez que eles se referiam à própria banda como "o produto". "O produto foi aprovado por Fulano" ou "o produto tem tudo para ser bem recebido no mercado". Agüentei uma semana - dois ensaios.

É mais ou menos como o preenchimento de um cadastro desses da Internet, trazido à tona pela nossa doce estrela: No campo profissão, dentre as várias opções, uma era: "comerciante/artista". Até que ponto vai a alma de alguém... eu que nunca tive a ilusão de ser um cara perfeito, que tivesse consciência de todos os meus atos, nunca admitiria a hipótese de vender algo assim. Só penso, triste com meu zíper (os botões já caíram): o que leva uma pessoa a fazer isso? E respondo, no segundo seguinte: dinheiro. E não consigo deixar de dar aquele sorriso de lado, amarelo, e reconhecer que a culpa não é deles.

Uma vez, minha sobrinha me perguntou: "Tio, quem foi o melhor guitarrista do mundo, o melhor de todos?" - e a resposta, que ela não entendeu muito bem, mas que daqui a alguns anos talvez fará um pouco mais de sentido em sua linda cabecinha de criança, foi a seguinte: "acho que foi um joão qualquer, que morava numa casinha pobre, trabalhava em três empregos pra sustentar a mãe e seus cinco irmãos, e só tinha tempo de pegar seu violãozinho surrado de vez em quando, aos domingos. Mas que nunca teve sua chance".

Jimi Hendrix foi um crioulinho pobre de Seattle que teve sua chance - por pouco não foi apenas mais um jovem americano que morreu na guerra do Vietnã - ele que, poucos anos antes do sucesso, era paraquedista do exército americano. E se ele não tivesse sua chance? O mundo hoje estaria em seu pleno curso, o meu guitarrista preferido seria outro, e a vida estaria seguindo seu caminho imperturbável até o fim.

Por isso é que eu acho que o artista mais genial do mundo ainda não foi descoberto. Porque isso é questão de alma - e alma, todos temos. É só deixá-la falar, bem alto.



mais uma de Mr. Raulzito

3.11.02




# Conversa de um cara com o atendimento da assistência técnica do celular:

Como não ficou pronto ainda? Vocês me garantiram que em dois dias o telefone estaria consertado, e já tem quase uma semana. Eu preciso desse telefone e... O quê? Minha filha, você não está me entendendo. Eu sou bicha, homossexual. Estou indo buscar o telefone em meia hora. Se ele não estiver pronto você vai ver o escândalo que eu vou fazer aí nessa loja!

Lógico que quando chegou lá o telefone já estava consertadinho.


26.9.02
Sgmed

28.10.02



Quando Eu Ficar Velhinho Quero Ser Roadie do Meu Filho

Às vezes eu penso que já é hora de ter um filho. Um japinha de cabelos espetados com o corpo cheio de dobrinhas correndo pela minha casa. Ou uma pequeninha oriental que mais parece uma boneca de porcelana. Sim, estou ficando velho, cada vez mais próximo dos trinta anos e meu instinto paterno começa a bater mais forte.

E então eu penso no rock'n'roll. Sei que posso parecer um louco, mas não há como separar a idéia de ter um filho do rock'n'roll. Minha vida toda foi definida pelos discos que ouvi. E quando eu for pai não será diferente.

A mãe provavelmente não vai gostar, mas eu irei fazer de tudo para que a criança tenha um nome rock'n'roll. Se for menino, penso em Lennon ou Dylan. E para menina, quero Ronnie, Dusty ou Nico. Sonho também em deitar sobre a barriga da futura mãe e, com um fone de ouvido, fazer o bebê ouvir minhas canções prediletas. Iria montar uma seleção em ordem cronológica: começo com Elvis, depois muito soul e pop dos 60, mudo para Beatles, Beach Boys e Velvet Underground, vou para a new wave e punk dos 70, faço uma intensiva de rock inglês dos anos 80 (com ênfase, claro, no Echo & The Bunnymen), passo pelos Pixies e pela cena de Seattle até terminar nos britânicos do Teenage Fanclub, Radiohead e Travis. Para o parto, já escolhi até a trilha-sonora. É "In My Life", a minha predileta dos Beatles. E de madrugada, quando ele acordar, vou cantar "Be My Baby" e vê-lo dormir em meus braços.

Meu filho vai crescer assim: em meio a discos e as histórias que cada um deles me trazem à memória. Talvez ele se revolte e deteste a música que seu pai adora. Talvez ele morra de vergonha cada vez que seu pai diga que vai ser o DJ da sua festa de quatorze anos. Talvez ele resolva, por birra, torcer para o Internacional e virar sambista. Mas quer saber? Eu não me importo em correr este risco. Até porque a paixão pelo rock'n'roll é a maior herança que posso deixar. E, você sabe, um Takeda sem paixão não é um Takeda.



Spectorama

27.10.02



outubro 24, 2002

no começo do blogpop (quando ele ainda era do blogger) eu escrevi sobre o filme "antes do amanhecer" e acabei recebendo alguns e-mails de apaixonados sobre o filme. esqueci de comentar sobre um dos momentos mais verdadeiros e delicados do filme.
os dois personagens, interpretados por julie delpy e ethan hawke, estão em uma loja de discos em viena. eles ainda não se conhecem direito e estão naquela fase de curiosidade e atração. a meiga francesinha interpretada por julie delpy escolhe um vinil para ouvirem numa das várias cabines da loja. o disco é da cantora folk americana kath bloom.
nesse momento que acontece a mágica. come here, bela e simples canção, começa a tocar e os nossos protagonistas ficam calados. muito se fala sobre os mais românticos ou mais sexys beijos da história do cinema, entretanto ninguém fala daquele momento que antecede o beijo. a troca de olhares tímidos, o silêncio desconfortável, o suor e o coração batendo. e isso que é retratado fielmente nesse belo momento. toda a tensão que qualquer um já experimentou. richard linklater deixa os atores liderarem o clima dessa cena. você fica nervoso junto com eles.
principalmente quando o beijo não chega. é um dos anticlímax mais belos do cinema.


come here

(kath bloom)


There's a wind that blows in from the north
And it says that lovin' takes its course
Come here
Come here

No I'm not impossible to touch
I have never wanted you so much
Come here
Come here

Have I never laid down by your side
Baby let's forget about this pride
Come here
Come here

Well I'm in no hurry
You don't have to run away this time
I know that you're timid
But it's gonna be all right this time

There's a wind that blows in from the north
And it says that lovin' takes its course
Come here
Come here
Please...
Hey hey...
Hey hey...



blogpop as 06:07:32 AM

17.10.02


Tá tudo dominado

Acabar com o dirigível... desativar os bloqueadores de celulares nos presídios... e ela ainda nem tomou posse.

(Mas também pode ser uma estratégia para aumentar o índice de religiosidade no estado! A essa altura, já tem até ateu rezando.)



interETC.

14.10.02


Mundo cão na hora da Ave Maria


13.Out.2002 | O Brasil mudou muito, e isso não é o início de um comentário sobre o país que saiu das urnas de seis de outubro. Ouçam, por exemplo, o barulho que vem das seis horas. Foi-se o tempo, e não foi há tanto assim, em que o Brasil parava às seis horas ao redor do rádio para fazer a oração da Ave Maria com Júlio Louzada. Pacificavam-se as almas. Reconfortava-se o espírito ao anoitecer de mais um dia de cão – porque, não se iludam, senhores: sempre assim eles foram e para sempre assim o serão, abaixe o dólar ou não.

A oração de Louzada buscava minorar o sofrimento do dia, e nisso o Brasil não mudou. O ser humano em 2002 continua atrás de algo que alivie sua dor, renove as esperanças de que amanhã pode ser melhor. Parece que infelizmente há novidades no ar, um inesperado bálsamo de hipocrisia e mentira nos programas de televisão na mesma santa hora das seis. Ninguém reza mais chamando Deus em socorro. As emissoras agora colocam no ar as imagens e as personagens mais trágicas de seu repertório de infelicidades. Pode parecer estranho mas funciona assim: você vê o rosto de uma criança estraçalhada por um rot-weiller, como mostrou o “Brasil urgente”, da Bandeirantes, e suspira agradecido. Obrigado, Senhor, por não ter sido comigo.

O mundo cão está solto entre as cinco e sete horas da noite nas redes nacionais de televisão, aquela hora em que a noite cai e o Homem, ainda com a memória das noitadas vulneráveis que passou nas cavernas cercadas de animais, sente medo, sente-se frágil e pede proteção. Marcelo Rezende, Marcia Goldsmith, José Datena, João Kleber e, até tu?, Roberto Cabrini, todos com os olhos esbugalhados como se recebessem novamente a visita daqueles monstros pré-históricos de seus ancestrais, apavoram os crentes do terceiro milênio com a imagem do velhinho (quinta-feira, 10 de outubro) que teve o nariz quebrado por um soco do filho do Maguilla. Os novos profetas do Apocalipse falam aos gritos, alguns lançando o recurso bárbaro de espargir perdigotos sobre a lente da câmera e sublinhar o terror que alivia. Em casa todos agradecemos o nariz que permanece inteiro. Salvos. Pelo menos por mais um dia.

Eu vi Marcia Goldsmith levar mãe e filha ao palco para que a primeira confessasse que, depois de ser tão desprezada pelo ex-marido, o pai da moça, tinha virado lésbica e que aquele senhor que costumava ir ao apartamento das duas, no Bexiga, não era senhor, era senhora, era a sua atual namorada. Eu vi Marcelo Rezende apresentar um homem que estava vendendo um rim para quem lhe doasse um computador e mais os R$ 3 mil que precisava para saldar dívida que contraíra com um agiota para realizar o sonho de publicar um livro. Eu vi Cabrini entrevistando as garotas de programa que diziam estar com o jogador Guilherme, todo mundo mamando uísque, quando o carro que ele dirigia entrou na contramão e bateu em outro. Eu vi Datena dizendo "oh meu Deus, tem fratura exposta" e mandando o helicóptero Águia Dourada se aproximar mais do acidente em que um carro atropelou mãe e filha na Freguesia do Ó.

A vida é um inferno, como dizia o subtexto das orações de Júlio Louzada, e por esse vale de chamas continua marchando a humanidade, agora como se fôssemos todos personagens de um interminável tablóide inglês. E o sexo, então?! Só desgraça. Eu vi dois sujeitos se acusando de "corno" e cada um garantindo que havia desfrutado da mulher do outro, sendo que essas senhoras também estavam presentes, todos aos palavrões e tentando se esmurrar, no palco do circo dos horrores do João Kleber na Rede TV! A idéia é rir da miséria alheia e criar a sensação de que somos superiores ou pelo menos de outra cepa. "O senhor não é mole não, hein?!", gargalhava Marcia Goldsmith diante de um certo senhor Vavá, pai do DJ Thaide e de mais de uma dezena de filhos, "soltos por aí", uma delas sendo apresentada a ele e ao irmão naquele exato momento.

A grande tragédia da família brasileira está sendo exposta, como a fratura do Datena, no mesmo horário em que ela antes se reunia para rezar a Ave Maria e tentar a salvação. A sensação geral, dos dois lados do vídeo, é de que ficou difícil escapar. Os programas dão alívio imediato de que aquela mulher com o cartaz de "mãe desesperada com fome" na Paulista não tem nada a ver com a gente. Mas, pela gritaria que vem do estúdio, pelo deboche sensacionalista, a impressão é de que amanhã esses falsos compungidos te filmam e esculacham. "Olha como ficou o rosto do pobrezinho", dizia Cabrini narrando a imagem do menino estraçalhado pelo cachorro – uma cena que, para piorar as coisas, tinha o selo televisivo de 'Vivo' na testa do 'pobrezinho'.

É o mesmo truque dos programas evangélicos. Estes não mostram a mulher jogada na rua com dez filhos por falta de aluguel, como fez a Goldsmith na quinta-feira. Mas prendem os fiéis pela descrição de um mundo cercado de demos tais e inexplicáveis que só pagando o dízimo ou louvando o pastor da semana conseguiremos sobreviver. Cabrini, Rezende, Marcia, Kleber e Datena reúnem-se todos os dias às seis para avisar que o mundo está acabando, esmurrado pelo Maguilla ou de fome, mas por enquanto você foi poupado. Não oferecem nenhum solução para que se escape do exterminador inevitável. Pelo contrário. Querem mais é salpicar um 'vivo' na testa do próximo morto. Passam, sempre lamentando, a angústia de que ele infelizmente pode ser você.

É verdade que nas orações do Julio Louzada pedia-se que alguém descesse dos céus e salvasse a todos desse inferno – e ninguém, a não ser aquela confusão lá em Fátima, foi visto descendo. Nos programas populares das seis, o deboche ri tanto dos miseráveis e infelizes que não se contém. O helicóptero que sobrevoa mãe e filho atropelados na Freguesia do Ó não traz socorro. Nenhuma salvação vem a bordo do Águia Dourada. É apenas o olho do novo deus-máquina acertando o foco na tua fratura exposta.



Joaquim Ferreira dos Santos

11.10.02


Kravnoth, um homem na horizontal - Morto em 03 de Maio de 2002.
Indicado por Débora Aline.




Epitáfio

"Eu criei um blog que REALMENTE falava de sexo, quem teve a oportunidade ler, sabe disso. Ninguém se expôs tanto como fiz, meus erros e acertos, mesmo permanecendo anônimo. Além de minhas fantasias eu citava passagens quase q diárias sobre meu relacionamento com *S*, minha namorada.
Mas um dia eu traí o anonimato. E com isso *S* descobriu, e leu meu blog. Me reconheceu, claro, pois ela conhece como ninguém minha escrita, meu jeito, e etc.
Agora, meus amigos blogueiros, pensem na situação: Se você amasse uma pessoa, e descobrisse que ela tem um blog como o meu, citando situações e pessoas e desejos tão abertamente? Você não sentiria ciúmes? Eu sentiria...
Nenhuma dúvida passaria por sua cabeça? Duvido.
Pense em como seria vc descobrir que sua(seu) namorada(o) tem um blog desses? Com todos aqueles comentários picantes? Você aceitaria? O que pensaria? Você gostaria???
Bem, ela não gostou. Nem eu gostaria, confesso. Por isso o blog acaba. É melhor assim. Eu não teria como continuar, até pq ele não seria NUNCA MAIS tão espontâneo como um dia foi." ( , proprietário do Blog Kravanoth em 03/05/2002)


Causa mortis: Uma interpretação da Blogs Mortos

Ele possuia um blog onde contava em detalhes todas suas transas com sua namorada. Um belo dia ela descobriu. Segundo ele, esse foi o motivo da morte de seu blog, porém, surge a dúvida, será que ele não sofreu um processo ?



O Coveiro - rosanamotta as 04:55:00.

10.10.02




HÁBITO

As vezes tenho o estranho hábito de querer ser humano. Rir, sofrer, chorar, sentir, ter prazer, sentir dor. Estar presente, se fazer ausente, ter vontade de gritar ou forçar um silêncio desnecessário. Ir pelo caminho mais dificil pelo prazer do desafio, correr, senitr o vento nos cabelos, parar simplesmente por não ter razão para isso.
Seria tão mais fácil não ser, não sentir, não estar, simplesmente passar pela vida incógnito, sem se fazer presente na vida de ninguém, nem na nossa própria vida. Não ser ouvido, não ser visto, não ouvir, não sentir...
Não é possível. Esse hábito de querer ser humano me domina, mas não importa. Faz parte do maravilhoso erro que é querer viver.